sábado, 1 de julho de 2017

SABEDORIA NA PRÁTICA


"Cada época revela pessoas que se tornam ícones para a sua geração e as gerações futuras. São pessoas que inspiram por seus feitos, personalidade, genialidade... Enfim, inspiram porque são diferenciadas. Salomão foi o mais sábio dos governantes em todos os tempos. Sua vida é fonte de inspiração.

Transcrevo aqui um trecho da vida desse rei: 'Tendo a rainha de Sabá ouvido a fama de Salomão, veio prová-lo com perguntas difíceis. Chegou a Jerusalém com grande comitiva, camelos carregados de especiarias, muitíssimo ouro e pedras preciosas... Salomão lhe deu resposta a todas as perguntas e nada houve que não soubesse explicar. A rainha de Sabá, vendo toda a sabedoria de Salomão, o palácio que construiu, a comida de sua mesa, a casa de seus oficiais, o serviço de seus criados e as roupas deles e seus copeiros, (...) ficou perplexa e disse ao rei: 'Foi verdade a palavra que ouvi a teu respeito. Eu, contudo, não cria até que vim e vi com meus próprios olhos. E o que me contaram não é nem a metade de tudo o que vi e ouvi aqui. Felizes são teus empregados e todos aqueles que convivem contigo.' Salomão presenteou a rainha de Sabá com muitos presentes, mais do que ela lhe havia ofertado, e atendeu abundantemente a todos os seus desejos.'

Um dos princípios chave para entender a sabedoria é a sua efemeridade. Quem a julga ter já a perdeu, e quem a busca encontra-a na própria busca. Sabedoria não é um destino; é antes um caminhar. o sábio deseja continuar a jornada cada vez mais, suavemente e em equilíbrio de vida. No entanto, para isso, acerca-se de um tipo de sabedoria muito necessária àqueles que desejam ser governantes e gestores efetivos. Num sentido amplo, a sabedoria é contagiante e expansiva. A rainha de Sabá saiu de sua terra e vai ao encontro de Salomão, atraída por aquilo que ouviu sobre ele. A fama do rei transbordou o limite de seu reino e gera admiração.

Até então, ela tinha o conhecimento dos fatos atribuídos a Salomão, que, de tão extraordinários, requeriam que fossem vistos. Desse encontro, impressiona-me alguns detalhes que fazem a diferença na qualidade do governo e da gestão. Salomão manifesta um tipo de sabedoria capaz de objetivar-se na vida. Não é um concurso de palavras e frases maravilhosas, é uma vida que se pode observar, que inspira e contagia.

Primeiro, ser sábio significa ter um tipo de sabedoria capaz de organizar a vida e não apenas as ideias. Tem gente que consegue explicar tudo, falar sobre tudo, refletir exaustivamente sobre as coisas, mas não consegue realizar nada. Ou, na melhor hipótese, tem uma realização sofrida e angustiada. Tomar consciência disso e organizar a vida é um propósito sábio. A sabedoria não pretende encher nossas mentes de ideias e conhecimentos, mas abri-la para ver nossa coerência.

A rainha viu a coerência nas pessoas e nas coisas que cercavam Salomão. A vida real era um reflexo de sua vida interior e um convite ao aprendizado. O que Salomão falava estava presente no modo como vivia seu reino e como conduzia seu povo. O exemplo de vida e a vida exemplar lhe concediam a autoridade necessária para gerir com sucesso. Essa ideia nos mostra que a competência nas relações executivas não pode ser excludente das competências na vida privada e relacional.

Conheço vários executivos, 'cheios de sucesso' na vida profissional, cuja vida afetiva, familiar e emocional estão a ponto de explodir. Vidas sustentadas por doses diárias de antidepressivos, cuja intimidade mostra uma confusão totalmente antagônica ao aparente sucesso profissional. Autoridade se dá quando as pessoas conseguem enxergar o que eu falo, quando meus atos são reflexo das coisas em que creio, e isso tudo envolvido em qualidade de vida. 

Ser sábio significa ter um tipo de sabedoria que ajuda o outro a ser feliz a partir da própria felicidade. Essa é a razão pela qual nos relacionamos, trabalhamos, produzimos e nos reproduzimos - ser e fazer outros felizes. A rainha viu como eram felizes aqueles que se relacionavam com Salomão, suas esposas, seus servos, seus colaboradores e funcionários. Salomão não tinha o trabalho como um fim e si mesmo, mas como o modo pelo qual poderia melhorar a vida de seu reino e de sua comunidade. Não via o conhecimento que adquirira como algo desconectado de suas relações. Quando o saber encontra o outro, revela o que sou capaz de fazer para melhorar a mim mesmo e ao outro.

Quando governo ou gerencio com efetividade, tenho como objetivo a melhoria na qualidade de vida das pessoas em primeiro lugar. Isso, no entanto, começa comigo. Estar bem comigo mesmo é condição para ser capaz de gerenciar com eficiência e qualidade. Não quero que as pessoas se impressionem com minhas palavras, quero estar satisfeito com minha vida para ser capaz de servi-las com integridade. Quem não respeita esse princípio pode até ser cheio de conhecimento, mas tem pouco autoridade no servir e vive uma relação interna esquizofrênica, frustrada e inquieta.

Vejo um profissional sábio quando enxergo a admiração de seus colaboradores, a serenidade de seus negócios, o sorriso de seus amigos, o cuidado de seus afetos, o acolhimento aos seus clientes. Há um ditado que diz: 'Tua vida me impede de crer no que dizes.' Sabedoria é ver no exterior meu mundo interior e melhorar meu mundo interior se o exterior não me traz felicidade. É ter menos papo e fazer aquilo que se propõe.

Terceiro, ser sábio tem a ver com gratidão. A sabedoria revela-se no modo como sou grato porque vejo no outro a possibilidade de aprender. Salomão dá mais presentes à rainha de Sabá do que aqueles que dela recebeu. Ele entende que não se estava estabelecendo ali uma relação comercial. Sabedoria tem a ver com prazer da convivência. É nessa perspectiva que os demais interesses devem se pautar. Se tenho isso em mente, atendo melhor, produzo com qualidade, comercializo com honestidade, honro meus compromissos, relaciono-me com sinceridade, gerencio com integridade, meu ganho é justo e dele não me envergonho, e aprendo sempre.

É esse tipo de sabedoria que está faltando para que o que sabemos faça mais sentido prático na nossa vida e na vida daqueles que nos cercam."

Homero Reis - Sabedoria, a competência perdida
Revista Sophia, Ano /10, nº 39 
- p. 14/15

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