segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A Vida de G. R. S. Mead - O Pioneiro nos Estudos do Gnosticismo

"Nascido em 1862 no sul da Inglaterra, George Robert Stowe Mead possuía um pensamento clássico penetrante, dominava perfeitamente o latim e o grego e, entre outras línguas, também aprendera o sânscrito. Pode-se dizer que, desde muito jovem, ele possuía “a feel of Gnosis” (uma intuição gnóstica), um sentido aguçado para a pureza. Estimulado pela energia ígnea do signo de Áries – sob o qual havia nascido – e graças à leitura de um livro recém-publicado sobre o budismo esotérico, ele entra em contato com a Teosofia. Aos vinte e dois anos ele encontra Helena Petrovna Blavatsky, ou HPB, como era conhecida em Londres.

A partir dessa época, em que ainda era professor, ele passa todas as semanas de férias e os meses de verão em companhia de sua amiga. Alguns anos mais tarde interrompe a carreira e torna-se seu secretário particular. Nesses primeiros anos da Teosofia, a grande iniciada madame Blavatsky, conhecida como “a Esfinge”, confia importantes tarefas a esse jovem de vinte e sete anos. Assim, George Mead ocupa-se de sua correspondência, possui as chaves de seu cofre e é encarregado da redação da revista Lucifer, naquela época um órgão da Sociedade Teosófica. E, de vez em quando, ainda lhe prepara os charutos. Ao descontentamento dos membros mais antigos e experientes da direção, madame Blavastsky respondia: “Mind you; George Mead is the only true theosophist!” (“Prestem atenção; George Mead é o único teosofista verdadeiro!”).

(...)No entanto, precedendo essa busca matizada de orientalismo realizada pela Sociedade Teosófica, já ocorria desde o Século das Luzes – mais precisamente desde o começo do século 18 nos territórios da Alemanha e da Europa Central – um grande movimento conhecido sob o denominador comum de Teosofia. Por exemplo, o autor Johann Gichtel, famoso por ter sido o editor de Jacob Boehme, publicou em 1710 a obra Theosophia Practica. Pessoas como Fichte, em Berlim, Lopoukhine, em Moscou, e Karl von Eckartshausen, em Munique, eram pensadores e filósofos conhecidos que escreviam sobre essa Teosofia esclarecida. Trataremos disso mais adiante. Para a ciência materialista do século 19, esse caminho de luz, essa experiência divina direta, era considerada totalmente ultrapassada e rejeitada, do mesmo modo que um adolescente rejeita os pais. Taxada de obsoleta e ridícula, essa visão era renegada com fúria fanática. Já nas igrejas, tanto a anglicana quanto a protestante e também a católica, a Teosofia era considerada como exorbitante e infame: somente o padre, o pastor e o ministro da igreja eram capazes de sondar a vontade de Deus.

George Mead era de outra opinião: ele seguiu o rastro de luz que corria até o início da era cristã, período no qual, segundo ele, “atuavam diferentes fraternidades teosóficas: as fraternidades da Gnosis”. Essas comunidades, antes, durante e após o advento de Jesus Cristo, desejavam, buscavam ou confessavam a religião vivente da luz salvadora. Elas faziam profissão de fé da Teosofia, avançando de coração e alma rumo à sabedoria de Deus. No seu livro The World Mystery (O mistério do mundo), Mead escreve que “todas essas pessoas, sem exceção descobriram a Alma do Mundo, louvaram-na e tentaram unir-se a ela. Seria possível que elas falassem de outra coisa? Elas louvaram o que é real e tangível e não as fugidias manifestações materiais”. Essas pessoas tinham em comum o que ainda hoje é importante também para nós: por sua conduta e por seu amor pela Luz, elas descobriam, vivificavam e tornavam ativo o próprio Deus no âmago de seu ser. Essa ação, essa atividade direta do divino no interior do ser humano preparado, é indicada como “Espírito Santo”. Assim, compreendemos hoje o conceito “teosofia” de maneira muito mais abrangente e universal, exatamente como ela era vista pelos fundadores da Sociedade Teosófica naquela época. Desse modo, teosofista, no verdadeiro sentido dessa palavra, é todo aquele que adota o pensamento da fraternidade universal e se dedica ao estudo da correlação entre o ser humano e o divino supremo. Não era apenas para fazer um comentário espirituoso que Helena Petrovna Blavatsky tratava George Mead de “único teosofista verdadeiro”.

Ao contrário de outros membros da Sociedade Teosófica, ele não se interessava exclusivamente pela sabedoria oriental. Na realidade, ele acreditava que sua missão era revelar e tornar possível o redescobrimento da sétima corrente de sabedoria, a corrente da Gnosis. Mead era um trabalhador dedicado, mas se Blavatsky o qualificara de verdadeiro teosofista, isso era devido ao seu comportamento. Ela escreve em A chave para a Teosofia: “Na Grande Obra, para libertar a alma do ser humano, não há lugar para personalidades, os seres dotados de um grande ego não são admitidos. São escolhidos apenas os que são capazes de se mostrar prestativos e submissos”. George Mead deu provas de uma espiritualidade elevada.

Especialista em literatura pré-cristã, ele torna-se, inspirado por Blavatsky, em profundo conhecedor da matéria de ensinamento hermético e da gnosis antiga. Suas obras incluem estudos sobre os elementos da gnosis cristã e das religiões do mundo greco-romano. Toda a sua energia é consagrada ao estudo do gnosticismo, do helenismo, do judaísmo e do cristianismo. Por outro lado, Mead é igualmente conhecedor das filosofias budistas. Ele traduz o BhavagadGita do sânscrito e o publica. Sob influência de Blavatsky, ele lança em inglês uma edição do evangelho gnóstico Pistis Sophia, do qual um exemplar, desde 1785, já se encontrava no British Museum. Em 1890 essa tradução é publicada na forma de episódios na revista dos teosofistas, Lucifer, da qual Mead era o principal redator. Blavatsky assim decidira chamá-la com o intuito de chocar a burguesia cristã. Por causa da publicação do evangelho Pistis Sophia, C. G. Jung viaja até Londres para agradecer a Mead por sua tradução. Mead redige uma série de obras-chaves que serão determinantes para o desenvolvimento espiritual e místico do Ocidente contemporâneo. A primeira é publicada em 1900: Fragments of a Faith Forgotten (Fragmentos de uma fé esquecida), a segunda, em 1906, é Thrice Greatest Hermes (Hermes, o Três Vezes Grande). Essas duas obras permitem descobrir o melhor sobre esse assunto e, até os dias de hoje, elas são de agradável leitura, apesar de o estilo ser considerado ligeiramente rebuscado por algumas pessoas. Por mais de um século sua sutileza vem desafiando publicações ulteriores sobre o mesmo tema.

Trata-se de estudos feitos com grande dedicação e de forma competente, o primeiro sobre a Gnosis, e o segundo sobre a sabedoria de Hermes. Mead dá provas da manifestação da sétima corrente de sabedoria ao demonstrar que, ao lado das várias correntes orientais disponíveis nessa época, existem, inegavelmente, fontes ocidentais. É graças a Mead que dispomos de textos originais, sutis e profundos do início de nossa era. Cinquenta anos mais tarde, Jan van Rijckenborgh pode elaborar com base na gnosis original de Hermes e no evangelho Pistis Sophia, suas explicações sobre o caminho a ser trilhado pelas almas. Todavia, em dado momento, George Mead, homem honesto, admirador da verdade e de uma ética superior, já não consegue fazer com que sua moral interior concorde com alguns novos membros da direção da Sociedade Teosófica. Tampouco lhe agradam truques mágicos e fenômenos ocultos, que ele considera como grosseiros obstáculos à busca espiritual. Por isso, Mead recusa a proposta de tornar-se presidente da Sociedade Teosófica, preferindo dedicar-se a suas próprias pesquisas, dentre as quais são prioritários os textos da gnosis dos primeiros séculos. Um último incidente coloca em evidência que ele não pode associar-se à ostentação, à presunção cortês, às ilusões astrais e manifestações espíritas cujo objetivo é fazer alarde. Em 1908, ele abandona a Sociedade Teosófica. Foi um ato muito corajoso, ele explica: “pois, a partir daquele momento, eu já não tinha, de um dia para o outro, trabalho, nem salário, nem amigos, nem possibilidades, nem leitores”. Juntamente com ele, setecentos membros abandonam a Sociedade Teosófica. Um ano mais tarde, em 1909, com 150 amigos, George Mead, funda “The Quest Society” (A Sociedade da Busca), uma organização dedicada ao estudo comparativo das religiões com base em elementos científicos e objetivos; era antes de tudo uma associação de buscadores segundo a alma e o espírito. Sem dúvida alguma, George Mead concentrou-se no impulso de libertação, o qual, durante os anos que sucederam à morte de Blavatsky, tornara-se muito premente...

Quando George Mead deixa a Sociedade Teosófica em 1908, ele já publicara a maior parte de suas importantes obras sobre a espiritualidade greco-egípcia. A partir de 1910, George e sua discreta esposa Laura Mead editam a revista The Quest (A Busca). Na associação que leva o mesmo nome que a revista, eles organizam encontros semanais que se alternam: numa semana, apenas para membros, na outra palestras são realizadas para pessoas interessadas. Além das reuniões, a principal atividade era a edição da revista trimestral The Quest.

A respeito da revista Mead diz: “Não havia dinheiro, mas havia algo melhor. Muitos artigos excelentes e algumas contribuições de primeira categoria; tudo isso representava um trabalho pleno de amor. Não podíamos remunerar nossos colaboradores com um centavo sequer. Este é o mé- rito da revista The Quest, e, como redator-chefe, sinto que meu orgulho é justificado quando percorro a lista de meus associados mais estimados. Lista que outros periódicos teriam dificuldade em suplantar, se tivessem de trabalhar com os mesmos meios dos quais dispomos”.

De fato, encontramos na revista The Quest contribuições de autores importantes, conscientes de que, sob o manto do segredo e dos mistérios, se encontra a “sabedoria eterna” do desenvolvimento espiritual do ser humano. Entre os que contribuem com o periódico estão Martin Buber (1878-1965), Gustav Meyrink (1868-1932), A.E. Waite (1857- 1942), W.B. Yeats (1865-1939), Gerhard Scholem (1897-1982) e muitos outros. Durante os dezoito anos que sucederam a morte de Blavatsky, Geoge Mead considerou um privilégio e uma missão – à qual ele se manteve fiel – a possibilidade de manter acesa, no âmbito da Sociedade da Busca, a chama de um grupo empenhado em desenvolver um trabalho espiritual. De 1906 a 1908, ele publica, em onze belos volumes, a obra Echoes from the Gnosis (Ecos da Gnosis): Os hinos de Jesus, A crucificação gnóstica, Os hinos de Hermes, Os mistérios de Mitra e os Oráculos caldeus, entre outros, constituem uma espécie de retrato do que se desenrolou em torno do mar Mediterrâneo durante os primeiros séculos de nossa era no “conhecimento da Gnosis”...."

Fonte: 
Revista Pentagrama, ano 32, n. 3

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