sábado, 4 de maio de 2019

COMO FUNCIONA O UNIVERSO


Por John Algeo

No livro Luz no Caminho, Mabel Collins afirma: "Ouvir a voz do silêncio é compreender que do interior surge a única verdadeira orientação." Essa afirmação encontra eco em A Doutrina Secreta, de H.P. Blavatsky: "O universo é elaborado e guiado de dentro para fora."

Essas afirmações dizem a mesma coisa em níveis diferentes. A primeira é uma diretriz sobre nossa prática individual. A segunda é uma verdade a respeito do universo. Elas falam do microcosmo e do macrocosmo, da nossa consciência e do universo. A Doutrina Secreta assinala essa correspondência: "Tal como é em cima é embaixo; como é no céu, é na terra; e o homem - microcosmo é cópia em miniatura do macrocosmo - é a testemunha viva dessa lei universal e de seu modo de ação."

Annie Besant afirmou que a Teosofia é como uma massa de água com poças rasas, onde uma criança pode brincar com segurança, e profundezas nas quais até mesmo um gigante tem que nadar. Um conceito teosófico pode ser entendido tanto de forma simples quanto de modo complexo, dependendo das profundezas que pudermos alcançar.

Podemos começar com as escrituras e a sabedoria popular. No Sermão da Montanha, Jesus pergunta:
"Pode alguém colher uvas de um espinheiro, ou figos de ervas daninhas?" É claro que espinheiros não produzem uvas e ervas daninhas não produzem figos. Há um provérbio que diz: "Grandes árvores nascem de pequenas sementes." Árvores não se parecem mais com sementes do que uvas com espinheiros. No entanto, a natureza interna de uma semente guarda uma árvore em potencial. A árvore trabalha de dentro para fora da semente para se desenvolver. Tornar-se uma árvore é o dharma da semente. Isso é simples - uma poça rasa onde uma criança pode brincar.

Mas o dharma tem profundezas nas quais até mesmo um gigante precisa nadar. Segundo o Dicionário sânscrito-inglês, de Monier William, dharma pode significar muitas coisas, inclusive "natureza, caráter, condição peculiar ou qualidade essencial". A afirmação de que o universo é elaborado e guiado de dentro para fora fala sobre o dharma. O universo tem um dharma, e tudo dentro dele também. O dharma, como nossa qualidade essencial, significa tanto o que nós verdadeiramente somos quanto o que devemos fazer ou nos tornar durante nossas vidas.

No Ocidente, é comum supor que cada ser humano seja produto de duas forças: herança genética e ambiente social. Esses são dois fatores importantes, mas não são os únicos fatores que nos definem. O ambiente é mais do que a sociedade e a cultura; o ambiente físico e psíquico também são fatores muito importantes. Crescer no litoral da Bahia de Bengala é bem diferente de crescer num vale dos Himalaias. Crescer ouvindo histórias do rei Arthur da Inglaterra é diferente de crescer num mundo imbuído do espírito da deusa solar Amaterasu Omikami, do Japão.

De modo semelhante, a herança é mais do que os genes que obtemos de nossos pais. Ela inclui skandhas e dharma. Nossos skandhas são frutos do karma de nossas ações em encarnações anteriores, que moldam nossas formas, sentimentos, percepções, predisposições e consciência atuais - são forças do passado que nos empurram. Mas também existe uma força oriunda do futuro, nossa vocação ou chamado, que nos puxa para frente - nosso dharma. Assim como o dharma da semente extrai de dentro dela uma árvore, dentro de cada um de nós existe um dharma extraindo a perfeição humana do projeto imperfeito que ainda somos.

A afirmação de que "o universo é elaborado e guiado de dentro para fora" é uma afirmação do fato de que tudo no universo tem um dharma atuando dentro de si e guiando seu desenvolvimento rumo a uma realização final. O futuro é nosso. Precisamos apenas realizá-lo.

Helena Blavatsky assinala, em A Doutrina Secreta, que o universo é "guiado, controlado e animado por séries quase inumeráveis de hierarquias de seres sencientes", Essa afirmação é aplicável à controvérsia ocidental atual entre o teísmo cristão, que concebe o universo criado por um Deus pessoal transcendente, e o materialismo científico, que despreza toda ideia de Deus como irrelevante e afirma que o universo simplesmente aconteceu, sem intenção ou plano. Essas duas visões de mundo estão claramente opostas; no entanto, existe uma terceira visão anterior a elas - a da Teosofia.

A Teosofia afirma que o universo consiste de matéria dotada de consciência. Ela concorda com a ciência quando afirma que um Deus criador externo é desnecessário, e que não existe nada desse tipo fora do universo - mas afirma que existe muita coisa dentro do universo que a ciência não possui instrumentos para conhecer. Concorda também com a religião quando afirma que o universo é inteligente e intencional, e que de modo algum se limita à matéria estudada pela ciência.

A Teosofia afirma que o divino é inerente ao mundano, não separado dele, e que ordem e propósito são inerentes à natureza do universo - o seu dharma. Essa ordem universal é mediada por seres conscientes, inclusive seres humanos como nós, mas também por seres pré-humanos e super-humanos. O universo é vivo, e sua vida interna forja e guia suas formas externas. O dharma do universo é se transformar de formas densas em formas mais sutis, de consciência limitada em consciência expandida, de fragmentação em unidade de percepção espiritual.

O ponto de vista da Teosofia é tão profundo quanto o oceano e tão simples quanto o fato de que árvores nascem de pequenas sementes. O reconhecimento do dharma do universo leva a uma indagação: como realizar nosso próprio dharma? Como compreender que a partir do interior surge a verdadeira orientação?

Em Luz no Caminho a autora se refere ao livro A Voz do Silêncio, de Blavatsky, assegurando que, logo que tenhamos experimentado a paz, a voz do silêncio estará conosco:

"Tendo atravessado a tormenta e atingido a paz, então é sempre possível aprender, muito embora o discípulo vacile, hesite e se desvie. A voz do silêncio permanece com ele, e embora ele deixe a senda completamente, ainda assim um dia ela irá ressoar, lacerá-lo e separar suas paixões de suas possibilidades divinas."

Essa promessa da realização também aparece no trecho a seguir:

"Existe uma estrada, íngreme e espinhosa, cheia de perigos de todo tipo, mas ainda assim uma estrada, e ela leva ao coração do universo: posso dizer-te como encontrar aqueles que te mostrarão a passagem secreta que se abre somente para dentro, e se fecha firmemente atrás do neófito para sempre."

Depois de atravessar a passagem, não há retorno. A voz do silêncio fala e não pode ser ignorada. O mundo parece muitas vezes um labirinto confuso, mas a senda é um labirinto de direção única; se continuarmos caminhando, atingiremos a meta.

A segunda referência que a autora de Luz no Caminho faz ao livro A Voz do Silêncio diz respeito à Sala de Aprendizagem: "Tu que agora és um discípulo, capaz de te manter de pé, capaz de ouvir, capaz de ver, capaz de falar, que conquistaste o desejo e atingiste o autoconhecimento, que viste tua alma em flor e a reconheceste, e ouviste a voz do silêncio - segue para a Sala de Aprendizagem e lê o que lá está escrito para ti."

A terceira e última referência é a seguinte: "Ouvir a voz do silêncio é compreender que do interior surge a única orientação; seguir para a Sala de Aprendizagem é penetrar o estado no qual o aprendizado se tornou possível. Então muitas palavras estarão escritas para ti, e escritas em letras de fogo para leres facilmente. Pois quando o discípulo está pronto, o mestre também está."

Ouvir a voz do silêncio, aprender as ígneas palavras de sabedoria e experimentar a presença do mestre são três metáforas que falam da mesma coisa: ser guiado a partir do interior. Para aprender a fazer isso, a melhor fonte é, sem dúvida, o livro A Voz do Silêncio. Mas antes de mergulhar nessas águas profundas, precisamos molhar nossos pés numa poça rasa.

A maioria das pessoas gostaria que alguém lhes dissesse o que fazer; querem respostas simples para problemas complexos. Fundamentalistas religiosos acreditam que aquilo que as escrituras dizem é absolutamente correto. Aspirantes querem que o guru lhes ofereça dez passos para a iluminação. As pessoas não querem complicações nem opções; querem apenas saber o que é certo, sempre presumindo que existe um caminho simples. Mas a vida é complexa, e a retidão relativa. Este é um baixio cheio de lama.

Mergulhemos então nas profundezas de A Voz do Silêncio. Esse livro fala muito do mestre, e parece se referir a uma autoridade fora da pessoa, uma corporificação do arquétipo do velho sábio. Todos nós tivemos instrutores que apontaram um caminho, e também servimos como instrutores para outras pessoas. No entanto, o mestre que procuramos, cuja voz é a voz do silêncio, não é alguém de fora: "Instrutores há muitos; a Alma mestra é uma, Alaya, a Alma universal. Vive nesse mestre como seu raio vive em ti."

O verdadeiro mestre não é outro ser humano nem um ser super-humano. A glosa ao verso 14 toma isso claro: "O 'grande mestre' é o termo usado por lanus ou chelas para indicar o próprio eu superior." E o último verso desse fragmento é explícito: "Observa! Tu te tornaste a luz, tu te tornas-te o som, tu és teu mestre e teu Deus. Tu és, tu mesmo, o objeto de tua busca: a voz ininterrupta, que ressoa ao longo da eternidade.

John Algeo é escritor e professor. 
Foi vice-presidente internacional da Sociedade Teosófica e é autor de Investigando a Reencarnação (Ed. Teosófica). 

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