Por Clara Codd
Nos dias que correm, quando um grande instrutor ora entre nós parece pôr de lado o que durante anos consideramos como realidades sacratíssimas, deve haver em muitos, no momento, perturbação nos corações e indecisão nas mentes. Entretanto, se nos pudermos firmar definidamente a rocha da intuição interior, a luz e compreensão alvorecerá em nós, luz cuja serena força é o seu próprio testemunho de verdade imortal. E, à luz da intuição, ver-se-á que as idéias, os conceitos mentais, não são senão peças com que jogamos o jogo da vida, símbolos indicando as realidades essenciais que por detrás deles se escondem. Por isso, quanto é bom que um grande instrutor ora entre nós, talvez o maior que já ensinou aos homens, nos obrigue a mudar continuamente os nossos símbolos de valores e a jogarmos a nossa partida com peças sempre novas, de modo a compreendermos que é o jogo da vida que importa e não as peças com que o jogamos! Se as peças constituírem para nós a realidade, então perder-nos-emos na agitação do jogo e sofreremos as tristezas ilusórias, que resultam de todas estas condições estáticas conhecidas pelas denominações de beatice, superstição e interpretação dogmática.
Nada significa trocar um conjunto de símbolos mentais por símbolos mais finos, se afinal ainda cometemos o erro fundamental de tomarmos os nossos conceitos mentais como a Realidade, quando em verdade não são mais do que janelas através das quais divisamos o Infinito e por meio das quais, por sua vês, a Eternidade nos fala. Devemos compreender que não são senão janelas e não nos determos a considerar se têm a forma adequada ou se as adornamos e pintamos de modo conveniente; devemos é aproveitá-las de modo apropriado para olhar através delas e olhar para além. Se, quando alguém atacar o vosso conceito mental, com isto vos sentirdes chocado, então é que ainda não aprendestes a olhar através dos mesmos. Ainda estais imerso na contemplação do exterior da janela.
Assim se deu com as nossas idéias relativas à Grande Hierarquia de Mestres de Sabedoria e à Senda do Adeptado. Talvez seja essa a verdade que há por detrás destas misteriosas palavras das escrituras védicas: “Se pensas que os deuses existem, eles existem; crê-se que não existem, não existem”.
Isto não é confortador para alguém que deseje uma concepção mental estável, em que venha a encontrar a salvação e a paz. Mas a vida ensinou-me que ali é que não a podemos encontrar e sim apenas mais para além. E esse além não tem nome, nem senda, nem sede. Apenas pode ser indicado por meio do paradoxo ou do silêncio. Por isso é que sabiamente o Buda ensinou que se alguém afirmava que o Nirvana existia, afirmava algo de falso e que igual falsidade dizia quem afirmava não existir o Nirvana. Portanto, se o nosso “coração” estiver definidamente firmado na intuição, no além, nossas “mentes” poderão contemplar sem perigo as concepções mentais, apreciando-as sem pelas mesmas nos deixarmos prender.
Deste modo, amo o Mestre, embora saiba que as minhas idéias a Seu respeito não são senão pequenas janelas através das quais passa a Sua glória e que esta mesma é parte da Glória do Todo. Mas, através destas janelinhas, eu penetrarei no grande Além, na região que pertence “a todas as almas puras igualmente”. Mas, então, existirá o Mestre realmente? Para mim, Ele existe, embora eu saiba que a minha pequena escala-móvel de idéias não é senão o ramo do qual, um dia, o Pássaro de Deus de minha alma partirá em seu voo ao empíreo. Então, eu O verei, ao Mestre, face a face, essência perante a essência, espírito perante o espírito, e compreenderei esse espírito uno da vida que é o meu único ser verdadeiro.
Existe a Grande Hierarquia? Naturalmente, embora não tenha eu dúvida de quão mesquinhas e pobres sejam nossas idéias a respeito. Com efeito, parece-me que por vezes falamos da Grande Fraternidade como de um conselho de uma Igreja mais alta, ao qual tivéssemos um acesso privilegiado e de cujas intenções recebêssemos as primeiras participações. Não penseis que o digo sarcasticamente, mas a ideia da Fraternidade é algo de tão elevado, tão divino, tão adorável, que eu desejaria conservássemos sempre nossas idéias a respeito tão amplas quanto o mundo que Ela vive amando o servindo!
Não será, porém, verdade a existência de uma Senda que conduz aos Mestres de Sabedoria, de um cerimonial de iniciação que torna o homem para sempre partícipe do Seu Trabalho? Naturalmente que sim; é verdade; mas penso (e estou pronto a aceitar, neste ponto, a corrigenda de algum irmão mais sábio e antigo do que eu, que me explique estar eu mal informado) que erramos no passado supondo que a senda da iniciação era o caminho que todos os homens afinal eram chamados a trilhar, assim como que todos um dia teriam que chegar aos pés de um Mestre, para, sob seus especiais cuidados, passar uma série de iniciações e assim atingir Moksha ou a libertação. Subba Row em seus “Escritos Esotéricos”, pág. 313, chega à conclusão oposta. Citarei algumas palavras que admiravelmente esclarecem o assunto:
Esta filosofia reconhece duas sendas, ambas tendo o mesmo fim: uma humanidade glorificada.
Uma é a senda natural, constante, do progresso por meio do esforço moral e da prática das virtudes. Um crescimento natural, coerente e seguro da alma daí resulta, uma situação de firme equilíbrio é alcançada e mantida, situação que não pode ser subvertida ou abalada por nenhum assalto inesperado. É o método normal seguido pela grande massa da humanidade e é o caminho que Shankaracharya recomendou a todos os seus sannyasis e sucessores. A outra senda é o caminho vertiginoso do Ocultismo, através de uma série de iniciações. Somente umas poucas naturezas especialmente organizadas e apropriadas são aptas para esta senda.
O progresso oculto, o crescimento nessa senda, tem lugar dirigindo ao Adepto, através do chela, várias forças ocultas (vide Cartas dos Mestres de Sabedoria, Carta XXX, pág. 82), que o habilitam a obter de modo prematuro, se assim me posso exprimir, o conhecimento de Sua natureza espiritual; e a obter poderes para os quais moralmente não esteja ainda capacitado em virtude do seu grau de progresso. Nestas circunstâncias pode acontecer que o chela perca o seu equilíbrio moral e caia na senda dos dugpas.
Disto não se deve concluir que a Escola Sulindiana de Ocultismo considere o adeptado e a iniciação como um erro, como uma usurpação violenta e perigosa das funções da natureza.
A hierarquia do adeptado é tão estritamente um produto da natureza como o é uma árvore; tem funções e objetivos definidos e imprescindíveis no desenvolvimento da raça humana; sua função é a de manter aberta a senda ascendente, por meio da qual desce a luz e orientação, sem as quais a nossa raça teria que dar cada passo pelo método fatigante e sem fim da tentativa e fracasso em todas as direções, até que o acaso mostrasse qual o caminho a seguir.
Na realidade, a função da hierarquia do adeptado é prover de instrutores religiosos as titubeantes massas humanas.
Mas esta senda é eminentemente perigosa para aqueles que não possuem o talismã que lhes assegura a imunidade; esse talismã é uma devoção perfeitamente abnegada, feita de esquecimento de si próprio e de auto-sacrifício, ao bem religioso da humanidade, auto-sacrifício que não é temporário, pois jamais deve ter fim, e cujo objetivo é a iluminação religiosa da raça humana. Sem este talismã, embora o progresso do chela possa ser muito rápido durante certo tempo, chegará um ponto em que tenha que parar, quando o valor moral real tiver que falar e então o homem que progrediu pelo outro caminho mais lento e seguro, pode alcançar primeiro do que ele, a imersão de si mesmo na luz do Logos.
É por isto mais sábio não procurar a senda do chela; se a pessoa para ela estiver preparada o seu karma a ela o guiará, imperceptível mais infalivelmente; pois a senda do ocultismo procura o chela e não deixará de encontrá-lo, sempre que se apresente quem tenha aptidão.
Atentai nas palavras de Subba Row, “o seu karma o levará ao caminho”; acrescentarei: também o seu “dharma” inato. Ora, o que é que faz com que uma pequena parte da humanidade trilhe a senda vertiginosa do ocultismo? Primeiro, o “dharma” inato do Eu interior imortal e depois, o karma que formou à medida que progrediam suas vidas terrenas. O Bispo Leadbeater nos diz de um grande número de teosofistas pertencentes a um grupo de egos, possuindo características semelhantes, e aos quais ele chama “Servidores”. Como mônadas e egos, eles parecem especialmente interessados no grande Plano da Evolução e se acham por isso ansiosos por se consagrarem ao desenvolvimento deste. Eis porque a Teosofia nos atrai tão irresistivelmente, porque a sua verdade nos fala de modo tão intenso e imediato; - porque é a Sabedoria que descreve o Plano e é assim aquilo pelo que o nosso eu mais profundo sempre mais vivamente se interessou. Como bem disse o Mestre K.H.em uma carta a Miss Arundale: “As linhas convergentes de vosso karma vos trouxe, a todos e a cada um de vós, a esta Sociedade, como a um foco comum, para que todos possam auxiliar a fruição do início interrompido, de vosso nascimento anterior. Nenhum de vós será tão cego que julgue ser este o vosso primeiro contato com a Teosofia? Por certo, compreendeis que isto seria o mesmo que admitir viessem os efeitos sem as causas”.
Isto nos leva a considerar o curso exterior, o karma de um ser humano. Que espécie de laços kármicos formados no passado levariam inevitavelmente o homem ao ocultismo?
Penso que deveríamos reconhecer, que, de maneira muito elevada e sublime, a Grande Fraternidade é como uma Loja Maçônica aqui na terra. Possui os seus oficiais graduados, seu trabalho especial e particular e a entrada à corporação depende do quererem alguns de seus membros apresentar determinado candidato, assim como da aptidão deste para o trabalho deles. Nem todos, porém, estão destinados a se tornarem maçons, nem, tão pouco, é o ingresso à Loja o único meio de iluminação. A Corporação Maçônica existe para servir os homens e para transmitir o facho do conhecimento coletado e secreto, de uma a outra geração de iniciados. Assim também a Grande Loja Branca dos Mestres de Sabedoria. Ela reuniu e transmitiu através de milhões de anos conhecimento especial e detalhado sobre a natureza do homem e o sistema no qual evolui. Existe para servir à humanidade de modo particular e especial e quantos se lhe desejem juntar às fileiras devem dar provas de devoção integral e abnegada à obra para cuja realização ela existe. Em verdade, com que outro fim deveria algum de seus membros assumir a responsabilidade de propor e secundar um candidato para a iniciação em seu seio. Devem ter toda segurança a seu respeito e isto naturalmente resulta de um conhecimento mais longo através de muitas vidas. Se alguém se encontra hoje na posição de chela de um Adepto é porque em passadas vidas esteve em relações kármicas com Ele e assim o Mestre o conhece e está disposto a pô-lo à prova. Muitos dos oficiais mais altos da Grande Loja Branca vieram, no passado, do seio desse grupo especial de egos chamados “Servidores”. Não é, portanto, de surpreender que muitos de nós, muito mais jovens em desenvolvimento espiritual, mas pertencentes ao mesmo grupo, nos encontremos aproximados d’Eles, por meio da Sociedade Teosófica.
É possível que seja não só karma, como também dharma de muitos de nós, trilharmos esta antiga e estreita senda. Se assim for, a ela sentir-nos-emos irresistivelmente atraídos. Mas, isto não quer dizer que as grandes massas humanas tenham que seguir esse caminho. Penso que assim não seja; e a mensagem do Instrutor do Mundo se destina às multidões humanas. Parece-me até que não se possa concluir que mesmo a maioria dos membros da Sociedade Teosófica devam seguir essa senda. H.P.B. preveniu-nos há muitos anos que o trabalho principal da Sociedade era a filantropia e de que ela existia antes de tudo para propagar o espírito de compreensão e de fraternidade e não, principalmente, - para usar as suas próprias palavras – “para ser terreno de desenvolvimento intensivo para futuros Adeptos”.
E, no entanto, isso também é parte do trabalho de nossa Sociedade. Somente a determinação inalterável e a firmeza abnegada do ser humano podem firmar em cada caso se é seu dharma seguir assim. Se individualmente sentirmos que assim é, então consagremo-nos ao empreendimento abnegadamente e de todo coração. A senda é clara e o método é semelhante ao de qualquer empreendimento terreno. Se alguém deseja elevar-se, tornar-se, por exemplo, um membro acreditado de alguma firma comercial, ele faz seus os negócios da firma e lhes consagra toda a sua alma e atenção. Não se assusta com horas de trabalho extraordinário e vive a sonhar de que maneira possa promover os interesses da firma. Se lhe ocorre uma boa idéia, ele prontamente procura fazer com que a adotem os seus superiores. Os negócios da firma são seus negócios. Procura inspirar confiança aos seus superiores e provar-lhes a sua firmeza, iniciativa, sua alegre disposição de aprender, de aceitar responsabilidades, de guiar. Na realidade, ele demonstra a sua integral e abnegada devoção pelo trabalho e pelos ideais de sua firma. Com o tempo os seus superiores vêm a reconhecer essa devoção, a confiar nele, a experimentá-lo em atuações de maior vulto e responsabilidade. Dá-se exatamente o mesmo em relação à Grande Fraternidade dos Mestres de Sabedoria. Aqueles que Os quiserem seguir, quiserem servir à humanidade pela forma porque Eles o fazem, e passar à Grande Paz pela senda que trilham, - devem dedicar-se inteiramente a esse serviço, sem nada pedir em troca, deixando a preferência e o adiantamento na grande obra ao julgamento dos seus superiores e às necessidades do trabalho.
Deve lembrar-se do talismã que tem de levar consigo nessa tão difícil e perigosa senda: “uma devoção perfeitamente abnegada, cheia de auto-sacrifício e de esquecimento de si mesmo, ao bem da humanidade, abnegação que não é temporária, mas que jamais deve ter fim” Podemos trilhar essa senda! Dá-nos realmente inspiração! Detenhamo-nos um instante e consideremos essa interrogação antes de nos permitirmos um sentimento de ligeira superioridade em relação às multidões humanas que seguem o caminho normal e natural, em sus ascenção para a beatitude imortal. Portanto, como bem o escreveu o Mestre K.H. há quase cinqüenta anos, ao Sr. Leadbeater: “As dificuldades, a abnegação, o martírio e a morte, são os incentivos que atuam, nas horas de crise, sobre o coração do verdadeiro chela”.
Se não conservarmos esse talismã em toda a amplitude e pureza, o desastre nos aguarda e diante de nós hão de abrir-se bruscamente abismos não suspeitados: “Não desejes semear nenhuma semente para tua própria colheita; desejes apenas semear o gérmen cujo fruto nutrirá o mundo... Entretanto, é inútil para o discípulo procurar aprender procurando restringir-se. A alma deve estar sem peias e os desejos, livres. Mas, até que se fixem naquele estado no qual não há recompensa, nem castigo, bem nem mal, é em vão que ele se esforça. Poderá parecer que faz grande progresso, mas algum dia há de encontrar-se face a face com a sua própria alma e reconhecer que ao vir até à árvore do conhecimento escolheu o fruto amargo e não doce”. Seguindo pela senda cheia de precipícios do ocultismo, a menos que possua o talismã da perfeita abnegação, o chela poderá perder o seu equilíbrio moral e fracassar; sim, “grandes seres fracassam, mesmo do próprio umbral, incapazes de suportar o peso de sua responsabilidade, incapazes de seguir avante”.
Ainda assim, para alguns de nós, “não há outra senda”. Por onde seguiu o Mestre dos nossos sonhos, por aí queremos seguir. Certo, se O amarmos e amarmos os homens mais do que a nós mesmos, trilharemos a salvo a senda estreita e reta, que conduz ao céu aonde desejamos ir ter. Esse céu, porém, não é ampliação, nem glorificação do eu. É aquilo que cada homem criou com sofrimento e por meio do qual, à medida que lentamente desenvolve a sua inteligência, alcançará a vida que está para além da individualidade. E nesse mundo, há um tempo, estão e não estão os deuses.
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