terça-feira, 4 de abril de 2017

Por Que Nossas VIDAS PASSADAS São Esquecidas?


Não há pergunta que se ouça com mais frequência, quando se fala em Reencarnação, do que esta: 'Se estivemos aqui antes, por que não nos lembramos disso?' Uma pequena consideração dos fatos responderá a essa pergunta.

Antes de mais nada, notemos o fato de que esquecemos mais sobre a nossa vida presente do que lembramos. Muitas pessoas não são capazes de lembrar como aprenderam a ler: contudo, o fato de lerem, prova esse aprendizado. Incidentes da infância apagaram-se da memória, mas deixaram traços em nossa personalidade. Uma queda, na primeira infância, é esquecida, mas nem por isso a vítima deixa de ser um aleijado, embora usando o mesmo corpo no qual os acontecimentos esquecidos se passaram.

Esses acontecimentos, entretanto, não são totalmente perdidos para nós. Se uma pessoa cair em transe mesmérico, eles podem ser tirados do fundo da memória. Submergiram, mas não foram destruídos. Doentes tomados pela febre, é sabido, usam no delírio uma língua conhecida na infância e esquecida na maturidade. Muito da nossa subconsciência consiste nessas experiências submersas, memórias atiradas a um segundo plano, mas recuperáveis. 

Se isso acontece com experiências ocorridas no corpo atual, não deve o fato ser muito mais verdadeiro com experiências ocorridas em corpos passados, corpos que morreram e se desintegraram há muitos séculos? Nosso corpo e nosso cérebro atual não compartilharam esses eventos pretéritos. Como poderia a memória afirmar-se através deles? Nosso corpo permanente, o que fica conosco através do ciclo de reencarnações, é o corpo espiritual. Os nossos revestimentos inferiores tombam e retornam aos seus elementos, antes que sejamos reencarnados. 

A nova matéria mental, astral e física, da qual somos revestidos para uma nova vida na Terra, recebe da inteligência espiritual, expressa apenas no corpo espiritual, não as experiências do passado, mas as qualidades, tendências e possibilidades que se formaram a partir dessas experiências. Nossa consciência, nossa resposta instintiva aos apelos emocionais e intelectuais, ou o reconhecimento da força de um argumento lógico, nossa aprovação dos princípios fundamentais do certo e do errado são traços de nossas experiências anteriores. Um homem de tipo intelectual inferior não pode 'ver' uma prova lógica ou matemática; um homem de tipo inferior, quanto à moral, não pode 'sentir' a força impulsionadora de um ideal moral elevado. 

Quando uma filosofia ou uma ciência são rapidamente apreendidas e aplicadas, quando uma arte é dominada sem estudo, aí está a força da memória, embora os fatos passados do aprendizado tenham sido esquecidos. Conforme disse Platão, trata-se de uma reminiscência. Quando, ao primeiro encontro, nos sentimos íntimos de uma pessoa estranha, aí está a memória, o reconhecimento, pelo espírito, de um amigo de tempos passados; quando recuamos, com forte repulsa, diante de outro estranho, a memória também está aí, no reconhecimento, pelo espírito, de um antigo inimigo.

Essas afinidades, esses avisos, vêm da imperecível inteligência espiritual, que é o nosso ser; nós nos lembramos, embora, trabalhando com o cérebro, não possamos fixar nele a nossa lembrança. O corpo mental e o cérebro são novos; o espírito fornece à mente os resultados, sem a lembrança dos acontecimentos a ele referentes. Tal como um negociante que, ao fechar o “razão” do ano e ao abrir um novo livro, não anota todos os itens do antigo e, sim, somente os seus balanços, o espírito entrega ao novo cérebro seus julgamentos e experiências de uma vida que foi encerrada, as conclusões que obteve, as decisões a que chegou. Trata-se de um suprimento novo entregue à nova vida, o fornecimento mental para a nova morada – uma verdadeira memória.

Rica e variada é essa memória no homem altamente desenvolvido. A comparar-se com a daquele que possui uma alma jovem, o valor dessa memória de um longo passado faz-se patente. Não há cérebro capaz de armazenar a memória dos acontecimentos de numerosas vidas; quando elas se concretizam em julgamentos mentais e morais, estão prontas para serem usadas. Centenas de assassinos foram levados à decisão que diz: “Não devo matar!” A lembrança de cada assassinato seria uma carga inútil, mas o julgamento baseado em seus resultados, o instinto de santidade da vida humana, é a verdadeira memória deles, no homem civilizado.

Às vezes, contudo, verifica-se a lembrança de acontecimentos passados. Crianças têm, ocasionalmente, relances de sua vida pretérita, evocados por algum evento do presente. Um menino inglês, que havia sido escultor, recordou isso quando viu algumas estátuas pela primeira vez. Uma criança hindu reconheceu o arroio no qual se afogara, quando pequenina, na vida precedente, e reconheceu, igualmente, a mãe daquele pequenino que se fora. Muitos casos têm sido registrados de tais lembranças de acontecimentos passados.

Ademais, essa lembrança pode ser conquistada. Entretanto, é uma conquista que depende de esforço muito forte, de prolongada meditação, quando a mente inquieta, sempre se atirando para a frente, pode ser controlada e aquietada, de forma a se fazer sensitiva e sensível ao Espírito, e receber dele a lembrança do passado. Só quando somos capazes de ouvir a pequena voz do Espírito é que a história do passado pode desdobrar-se, porque só o Espírito pode recordar e lançar os raios da sua memória para iluminar a escuridão da efêmera natureza inferior à qual está ligado temporariamente.

Nessas condições, a memória é possível, vínculos do passado são vistos, velhos amigos são reconhecidos, antigas cenas são evocadas e uma força calma e sutil cresce, a partir da virtual experiência da imortalidade. Os transtornos presentes tornam-se leves quando vistos em suas verdadeiras proporções como acontecimentos comuns e transitórios de uma vida infinita. As alegrias presentes perdem suas cores brilhantes quando vistas como repetições de deleites passados, e ambas essas coisas são aceitas, igualmente, como experiências úteis, enriquecedoras da mente e do coração, que contribuem para o desenvolvimento da vida em expansão. 

Contudo, só quando o prazer e a dor forem vistos à luz da eternidade é que o conjunto de memórias do passado poderá ser enfrentado com segurança. Quando encaradas dessa maneira, essas memórias acalmam as emoções do presente, e aquilo que de outra forma teria sido esmagador torna-se um apoio e um consolo.

Goethe regozijava-se com a ideia de que, em seu retorno à vida terrena, estaria inteiramente lavado de suas lembranças, e homens menos importantes podem ficar satisfeitos com a sabedoria que faz com que cada vida tenha início dessa maneira, enriquecida pelos resultados, mas sem carregar o peso de recordações do seu passado.

(Annie Besant - O Enigma da Vida - Ed. Pensamento) 


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