"O que é espiritualidade? O termo tende a ser usado livremente e muitas vezes tem algo de vago. Aliás, poderia ser útil começar fazendo uma consideração sobre o que a espiritualidade não é. Primeiro, não é sinônimo de psiquismo. Hoje em dia são oferecidas muitas buscas aparentemente espirituais, prometendo coisas maravilhosas. Essas coisas podem puxar as pessoas em muitas direções ao mesmo tempo, mas não satisfazem nossos anseios mais profundos. É provável que as fraquezas de um indivíduo que prematuramente obtém certos poderes psíquicos aumentem em tal situação, levando talvez a um senso inflado de autoimportância, à ilusão de que a pessoa é extraordinariamente especial, com mensagens de grande significação para o mundo.
Um indivíduo assim pode - ou não - ser ético. Em muitos casos, sem verdadeira preparação moral, o desenvolvimento deliberado de poderes psíquicos pode ser inútil. É mais sábio deixar que tais habilidades desabrochem naturalmente no decorrer da evolução, em vez de serem artificialmente aceleradas.
Em segundo lugar, espiritualidade não é algo que pode ser produzido rapidamente, nem pode ser conferida por outro. Em terceiro, a espiritualidade não surge automaticamente só porque a pessoa torna-se culta em questões religiosas; não é algo superficial, resultado da busca egoísta do saber.
Sendo assim, o que é espiritualidade? Primeiro, a espiritualidade autêntica transcende o reino psíquico. É um desejo profundo, genuíno, de se conectar conscientemente com o divino. Quando a espiritualidade é genuína há uma firme convicção da mais profunda sacralidade no interior de toda vida, que se expressa naturalmente num viver ético. No livro The Nature of Nature, Klaus Klostermaier cita o famoso cientista Konrad Lorenz, que via o maior perigo para a humanidade 'não na ameaça nuclear ou na crise ecológica, mas na progressiva decadência e desintegração da ética e da moralidade. (...)"
"(...) O desabrochar da espiritualidade requer atenção sustentada; ela não se manifesta rapidamente. É um empreendimento do tipo 'faça-você-mesmo', e não nos pode ser conferido por outra pessoa.
Quando o conhecimento é acompanhado por um sentimento da natureza interna da vida e uma vontade genuína de se autoexaminar, a espiritualidade emerge. O antigo aforismo grego 'conhece-te a ti mesmo', inscrito no frontispício do Templo de Apolo, em Delfos, é uma mensagem perene de sabedoria para a humanidade, e não algo específico de uma era ou de uma cultura.
A espiritualidade requer inteligência atenta, temperada com discernimento. Em algum estágio durante nossa jornada começamos a fazer grandes questionamentos a respeito da vida, com tanta certeza como a noite segue-se ao dia. Podemos começar a questionar os ensinamentos que cruzam nosso caminho e até mesmo buscar as assim chamadas autoridades espirituais para virem em nosso auxílio, ajudar a conhecer nosso lugar no cosmo. Durante esse processo há um natural crescimento do caráter e da força interior.
Espiritualidade significa a ativação de nossas mais elevadas qualidades, que emergem de dentro para fora. Entre essas qualidades estão a humildade e as mais nobres nuances do amor. São qualidades essencialmente abnegadas e altruístas. Não estão centradas no indivíduo, e sim no outro.
A espiritualidade torna-se cada vez mais proeminente quando descobrimos o significado da vida. Pois, sem significado, a vida permanece medíocre e até mesmo árida. A energia está focada tão somente em coisas materiais e um falso grau de importância pode ser atribuído às buscas do dia a dia. No livro The Conquest of Illusion, J. J. van der Leeuw escreveu: 'Quando compreendemos o eterno significado da vida podemos ver quanto coisa existe que é supérflua e até mesmo danosa; podemos ver quanta coisa existe que pode ser dispensada e deve ser eliminada, mas ao mesmo tempo podemos ver quanta coisa falta, o quanto precisamos.' (...)"
Linda Oliveira
A renovação da sociedade
Revista Sophia, Ano 8, nº 31 - p. 33
Nenhum comentário:
Postar um comentário