Mais de mil pessoas se uniram a uma iniciativa que propõe deixar de reclamar.
Por Carlos Carabaña
Queixa vem do latim, de quassiare, de quassare, que significa golpear violentamente, quebrantar, e expressa uma dor, uma pena, o ressentimento, a inquietação… Um amplo espectro de sensações, mas com um nexo comum: seu caráter negativo. E esse leva ao ódio e, como é bastante sabido, o ódio leva ao lado escuro. Com isso em mente, os amigos Thierry Blancpain e Pieter Pelgrims decidiram estabelecer em fevereiro o projeto Complaint Restraint February. Um mês de 28 dias em que não poderiam reclamar por besteiras.
"Pieter e eu somos amigos há 10 anos, e temos trabalhado juntos em muitos projetos e, no inverno de 2010, tivemos a ideia de deixar de nos queixar por um mês”, conta Blancpain, por e-mail. Esse suíço criador de tipografias não sabe de quem foi a sugestão, mas diz que um dos dois estava dando aborrecimento e o outro pediu que se calasse durante um mês. “Como depois nos sentimos mais felizes, decidimos repetir no ano seguinte”. Em 2014, perguntaram a alguns amigos se queriam se juntar e, depois de verem que também sentiam os efeitos, em 2015 abriram ao público com um site para que divulgassem o experimento. Esperavam ter 50 inscrições. No fim, foram 1.750.
Depois de esclarecer que reclamar não é ruim por si só, Blancpain explica que sua ideia é deixar de reclamar por coisas pequenas que, na verdade, não importam. “A chuva, o bebê que chora no restaurante, o chefe que te faz ficar uma hora a mais no escritório, o ônibus que você perdeu na hora de ir trabalhar”. Acontecimentos que “vistos com perspectiva não têm importância, e que reclamar é uma perda de tempo e de energia”. “Se temos comida, casa, família, amigos… não deveríamos ser felizes?”.
Segundo Blancpain, os benefícios dessa atitude têm duas caras. Por um lado, aumenta “a sensação de felicidade” e diminui a de “estar esgotado”. Por outro, adquirimos “conhecimentos sobre a forma como nos comunicamos e como se comunicam as pessoas do nosso entorno”. Durante esse mês, afirma que se dá conta de que certos conhecidos são muito negativos e o fazem mais infeliz. “Pode soar duro, mas acho que não é razoável passar tempo com uma pessoa com a qual nos sentimos pior depois”.
Sem serem especialistas em psicologia, Blancpain e Pelgrims têm o conhecimento resultante de anos de prática. Um truque é transformar reclamações em sugestões positivas. “Se alguém vem e me conta alguma pequena coisa negativa sobre seu trabalho, pergunto se não acha que seu chefe horrível é sinal de que deve procurar um novo emprego”. Quando você está mal e não pode estar na rua, sugere ir “ver um filme”. Alguns vão um pouco mais longe e levam um elástico ao redor do punho com o qual causam dor cada vez que se queixam alto, para se condicionar. “No mínimo ajuda, mas o importante não é deixar completamente [isso Blancpain considera impossível], e sim se dar conta e redirecionar essa energia” para aspectos positivos.
Esse foi o primeiro ano que abriram ao grande público. Estimam que foi um êxito. Alguns enviaram e-mails assegurando que tinham tornado suas vidas melhores, outros comentaram que viram um efeito negativo em suas vidas ao se dar conta de que tinham pessoas muito negativas em seu entorno. O sucesso os pegou de surpresa, de forma que na próxima edição pensam em preparar materiais, artigos, experiências… para ajudar a quem quiser se unir.
Escolheram fevereiro por ser o mês mais curto do ano, e seria mais fácil de conseguir, mas parar de reclamar não está limitado a esse período. “Pode deixar de reclamar agora mesmo, esteja onde estiver, e ter um melhor março, abril ou junho”. Só lembre que, se algo “realmente ruim” acontecer em sua vida, melhor “contar a seus amigos”. Supõe-se que tem que se sentir feliz, não miseravelmente sozinho.
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